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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sábado, 30 de novembro de 2013

"Jango", o documentário, na íntegra



Documentário imperdível do diretor Sílvio Tendler. Música de Milton Nascimento e Wagner Tiso. 

Entenda o golpe civil-militar de 1964 e, por conseguinte, o Brasil de hoje. 

Mudam os personagens e seus nomes, a luta de classes é a mesma.

"A semana acaba no domingo..." Ponto alto da MPB



Jorge Ben, 1970.




quinta-feira, 21 de novembro de 2013

José Dirceu e o anjo de Drummond






Ideais audaciosos, altos sacrifícios, impulsos heróicos, tudo se dissipará em meio à rotina trivial e monótona de fazer compras e votar”.
                          Perry Anderson


Depois de ser cassado, José Dirceu desabafou de forma reveladora: “Foi como se eu perdesse minha própria vida”. 

Para além da sua falta de amizade com a boa sintaxe, José Dirceu briga não só com o pensamento de esquerda, mas sobretudo com qualquer pensamento. 

A entrevista que concedeu aos jornalistas, no dia seguinte à cassação, tem a profundidade de um aipim. 

Não há pensamento, só a repetição exaustiva do mantra defensivo, “não há provas contra mim”, e a hipostasia do parlamento. Como se o parlamento fosse a instituição absoluta para o exercício da democracia. Cotejar a revogação dos seus direitos políticos com a perda da própria vida é mais que um exagero, é tolice denunciadora da uma concepção aguada de política, de democracia, e de si próprio.

Muito bem, de fato inexistem provas contra o senhor Dirceu. Mas em caso de punição, que caisse atirando, como bom combatente. Dissesse tudo que pensa sobre o parlamento e o sistema representativo. Basta recolher as análises agudas – nunca desmentidas – de Rousseau, de Marx, de Rosa de Luxemburg, de Gramsci, de Karel Kosik, de Perry Anderson, de István Mészaros, e tantos outros, para demonstrar a natureza decaída do sistema político que representa (simula) a democracia entre nós. Mas Dirceu está desarmado de pensamento. Ele que tivera espírito de “comissário”, agora se comporta como “bela alma”, conforme a classificação de Karel Kosik. “Comissário”, para Kosik, é o burocrata político que, se acreditando revolucionário, quer impor seus princípios dogmáticos e indiscutíveis aos outros. E a “bela alma” – simetricamente oposta – é um ser retraído pelo temor de se perverter com a ação política, o que se revela inútil, pois sua passividade acaba por igualmente corrompê-lo face a convivência passiva com o mal.

Na entrevista de José Dirceu, não há um grão de crítica essencial à instituição que acabara de baní-lo por dez anos da política chapa-branca. Nem essencial, nem superficial. 

É aí que o espírito de “comissário” se dissolve na passividade da “bela alma”. Tem uma frase dele na entrevista que é cristalina: “Sou apenas o Zé Dirceu. Me sinto muito bem como Zé Dirceu”. Visivelmente, agora ele é um ser reconciliado com a sua consciência. Viveu grande parte da vida aturdido por uma moral bipartida: estar revolucionário ou ser liberal. O longo processo de cassação na Câmara Federal lhe apaziguou o espírito em conflito, a identidade liberal é a condição harmônica da sua “bela alma”.

Um espírito ingênuo e inconformado com o desfecho do caso José Dirceu pode ainda objetar: “Mas o que queriam que ele dissesse, depois de cassado?”

Ora, todos sabemos que as motivações para cassá-lo foram de natureza política e não pelo envolvimento moral com as trapalhadas delubianas e valerianas. Foi cassado um espectro de Dirceu, o velho Dirceu – que se presumia de esquerda – que foi banido do País junto com dezenas de revolucionários autênticos. A direita brasileira, os donos do Brasil, não se conformam que “aquela gente” hoje esteja no poder. Mesmo que “aquela gente” não seja mais a mesma ideologicamente, e a agenda econômica seja autenticamente neoliberal. A revista “Veja” estampa esse recalque azedo todas as semanas, em todas as suas páginas gravadas de letras e ódio de classe.

Então, o que o velho Dirceu deveria dizer na sua entrevista coletiva?

Estou sendo banido de uma instituição pré-republicana e que não representa a vontade soberana da população brasileira. Aqui nesse parlamento a democracia é uma simulação, onde prevalecem os interesses mais fisiológicos e mais atrasados.

Poderia citar Rousseau que, já no século 18, apontava a impotência do sistema representativo para dar voz à vontade popular. Poderia citar Perry Anderson, para quem o sistema representativo reduziu o cidadão à anêmica condição de consumidor diário e eleitor esporádico, e que tal cidadania é uma fraude e uma sonegação de direitos.

Poderia citar Gramsci e suas elaboradas considerações sobre o que ele acremente denominava de “cretinismo parlamentar” e as imposturas pseudodemocráticas do sistema representativo-parlamentar.

Poderia reclamar pela reforma político-eleitoral que o Congresso brasileiro malocou sabe-se lá em que ordem de prioridade, e ao implementá-lo, certamente, deve apresentar uma reedição das felpudas raposices parlamentares de sempre: um corpo representativo de deputados e senadores em si e para si, com as exceções de praxe (que no caso presente não somam cem parlamentares). Dizer, a plenos pulmões, que a esfera política é demasiadamente importante para ser conduzida por uma casta parlamentar tutelada pelos donos do capital. Dizer que o governo Lula ficou refém do fisiologismo dos congressistas por não ter encaminhado uma reforma político-eleitoral autêntica e que, neste sentido, é um avalista passivo da atual crise. Dirceu, finalmente, poderia citar o velho Dirceu, o dos “ideais audaciosos, dos altos sacrifícios, e dos impulsos heróicos”. Mas, pena, Dirceu não é mais Dirceu. Apareceu uma versão invertida do anjo torto de Drummond e disse-lhe:

“Vai, Dirceu, vai ser liberal na vida!”

E ele foi. No rosto, já sem a máscara revolucionária, estampou-se um sorriso resignado mas feliz. Aos 59 anos, finalmente, descobriu a sua verdadeira identidade.


Artigo de Cristóvão Feil, publicado em Dezembro de 2005, por ocasião da cassação do mandato parlamentar de José Dirceu.

sábado, 16 de novembro de 2013

Geraldo Pereira, um gigante do samba







O grande compositor e intérprete Geraldo Pereira morreu aos 37 anos, em 1955, depois de brigar com o famoso malandro e transformista Madame Satã, na Lapa, Rio.

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