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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sábado, 19 de dezembro de 2009

A blasfêmia da palavra perfeita


Flor

Antes de eu pronunciar o nome
ele não era
mais que um simples gesto

Quando eu lhe pronunciei o nome
ele veio a mim
e se tornou uma flor

Assim como chamei-lhe o nome
alguém me chama o nome
que combine com o meu nariz e o meu perfume

Também quero ir até ele
e tornar-me a sua flor
Todos nós queremos ser algo
Eu para você, você para mim
Queremos ser
um inesquecível
significado

Kim Tchun-su, poeta coreana

Tradução da professora Yun Jung Im Park

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Quem sempre esteve intrigado com as palavras e seus significados foi Jorge Luis Borges (foto). Pode-se dizer que a sua imensa e complexa literatura - de uma vida toda - foi em torno do mistério das palavras, das palavras perfeitas que pudessem como que substituir a própria realidade. E como se a realidade também não fosse uma arquitetura - caótica ou organizada - de palavras?

As palavras são apenas metáforas dos objetos que procuram representar. Um discurso metafórico, alegórico, simbólico, é uma combinação de múltiplas pequenas metáforas - os vocábulos - alinhados por um sujeito (ou vários), marcado por tempos verbais e por predicados portadores de qualidades ou quantidades. Para entender o discurso do outro, diz Borges, temos que esquecer o caráter metafórico dos vocábulos unitários para melhor compreender o sentido geral daquela fala, talvez, uma metáfora com mais cenários e símbolos outros.

Borges tem um conto onde a um poeta celta fora encomendado pelo rei um poema sobre o palácio. O poeta faz o poema e o ensaia para dizer diante do rei. Primeiro lê o manuscrito, depois chega sem manuscrito e diz uma palavra para significar o palácio, não é a palavra "palácio", é um vocábulo que expressa de um modo mais perfeito o palácio. Quando ele pronuncia essa palavra, o próprio palácio do rei desaparece, como que por encanto. Já não há mais motivo de existir um palácio, quando a realidade já o substituíra por uma palavra. Pra quê palácio? A perfeição da palavra abstrata substitui a concretude do palácio.

Borges diz que encontrar as palavras perfeitas, as que representam de fato a realidade, é uma espécie de blasfêmia contra Deus. Dizia: "O que é um homem para encontrar uma palavra que possa substituir uma das coisas do universo?"

Borges foi um blasfemo encantador.

2 comentários:

Gustavo Guglielmi disse...

Borges é maior do que todos os argentinos juntos.

Valeu, Feil!

Alice disse...

Ou... Gustavo ...
Borges está incorporado pela alma argentina e da humanidade!?
Ah! sempre as Palavras e as Coisas...Foucault... Até um filme foi feito: "Palavra Encantada"...

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