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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008


Dossiê: revista Veja

O blogueiro e jornalista Luis Nassif está publicando um importante (e corajoso) dossiê sobre o fenômeno “Veja”. Vale a pena ler.

O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.

O primeiro, são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.

O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década.

A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.

De um lado, há fenômenos gerais, que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” [neoconservadores] americanos foi adotada por parte da imprensa brasileira, como se fosse a última moda.

Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.

Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.

Acesse aqui.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2008


A economia dos instintos no romantismo

“Minha disposição é a mais pacífica. Os meus desejos são: uma humilde cabana com um teto de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a manteiga mais frescos, flores em minha janela e algumas belas árvores em frente à minha porta; e, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas árvores. Antes da morte deles, eu, tocado em meu coração, lhes perdoarei todo o mal que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade, perdoar os inimigos – mas não antes de terem sido enforcados”. [In Gedanken und Einfälle].

O autor da ironia corrosiva foi o escritor e poeta alemão Heirich Heine (1797-1856). Freud cita esse trecho da obra de Heine em O mal-estar na civilização (1929), para enfatizar o permanente conflito humano entre as exigências do instinto (a nossa porção Natureza) e as restrições da civilização (a porção Cultura).

O poeta romântico foi um duro crítico da religião (que agora está na moda, com inúmeros autores se dedicando a escrever sobre o tema anti-religioso). A famosa expressão que qualifica a religião como “ópio do povo", usado por Karl Marx na Crítica da filosofia hegeliana do Direito (1844), foi inspirada numa obra de Heine de 1840, onde ele ironizava (como sempre):

“Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”. [Esta frase eu pesquei da Wikipédia.]


E a tal quebra de contrato?

Muito pertinente a observação da jornalista Denise Nunes na sua coluna de economia no jornal Correio do Povo de hoje.

Mudança de regras: às vezes pode

A proposta de mudança no Plano Geral de Outorgas para viabilizar a fusão das operadoras Oi e Brasil Telecom mostra a relatividade no mundo do capital. O que neste momento é defendido por duas grandes empresas para fecharem negócio, com respaldo do ministro Hélio Costa, é um dos alvos preferidos de críticas no país. O outro é a carga tributária. Quantas vezes já se ouviu empresários, economistas, analistas de investimentos ou políticos alegarem que a ausência de marcos regulatórios é um entrave ao desenvolvimento do Brasil. Em qualquer segmento, é bom ressaltar. Segundo os críticos, o suposto vácuo legal é uma brecha assustadora para investidores, principalmente estrangeiros, que temem 'quebras de contrato', expressão que virou clichê em campanhas eleitorais. Pois bem, o que a novela Oi-Brasil Telecom mostra agora é que os investidores, mesmo os estrangeiros, não se importam com mudanças de regras, desde que seja do interesse do capital. E não se trata apenas das envolvidas. Com exceção das concorrentes, nenhuma empresa ou entidade chiou.


Em 2008, haverá mais concentração no mercado brasileiro

O ano de 2007 foi marcado pelo aumento de investimentos brasileiros no exterior. Em relação a 2001, estas aplicações cresceram 121%, número que significa investimento de aproximadamente R$ 300 bilhões.

Também se destacaram as fusões de instituições bancárias. Os negócios movimentaram quase R$ 120 bilhões. Os banqueiros apostam que a concentração de mercado [oligopolização] em setores como o de telecomunicações, finanças, energia, bens de consumo, varejo, açúcar e álcool, construção civil e mineração, será um tendência em 2008.

Em entrevista à Radioagência NP, o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves, afirma que o cenário não deve ser visto com euforia e sim, como resultado de um processo de turbulência vivido no cenário interno e externo que fragiliza as empresas brasileiras e faz com que investidores prefiram o exterior para aplicar seu dinheiro.

Radioagência NP: Qual a causa desse processo de fusões e aumento de investimento do Brasil no exterior?

Reinaldo Gonçalves: O que há de comum entre esses dois processos, mais o terceiro que é o de concentração e centralização de capital são estratégias reativas frente ao aumento das incertezas críticas no cenário internacional e na economia brasileira.

RNP: E como você justifica essa postura dos bancos brasileiros?

RG: Basicamente a questão central é a seguinte. Quando nós olharmos o setor financeiro, que é um dos que se destacaram nesse processo de fusão e aquisição, o que nós observamos é que no ano passado e ainda esse ano, houve uma turbulência muito grande no sistema financeiro internacional, inclusive com crises em bolsas de valores, no mercado imobiliário americano e no sistema de crédito desse país. Esses fatores todos fragilizaram os bancos.

RNP: Esse processo explica um pouco o grande número de fusões de bancos que ocorreu ano passado?

RG: Muitos grandes e importantes bancos como o Citi Bank o Credit Suisse e outros, têm mostrados agora em seus balanços prejuízos de dezenas de bilhões de dólares e, isso, atingiu um grande número de bancos. Então, fragilizados, o que esses bancos fizeram? Eles se envolveram em fusões, ou seja, bancos que estavam melhor posicionados acabaram comprando ou adquirindo participação acionária em bancos que se fragilizaram ano passado.

RNP: Quais as conseqüências desse processo, uma vez que muitas empresas estão nas mãos de poucos donos?

RG: Na realidade isso é algo negativo, pois diminui a rivalidade nas economias nacionais e, portanto, na economia internacional. Os bancos para se protegerem, em vez de aumentar, eles diminuem a concorrência, assim consolidam-se posições de mercado e o poder econômico deles aumenta com essas fusões e aquisições. Esse é o objetivo, [gerar] menos concorrência para se proteger de um mercado mais volátil.

RNP: O que se deve fazer para que todo esse dinheiro investido lá fora, seja na realidade aplicado na economia brasileira?

RG: Na verdade, o Brasil é uma “casa da mãe Joana” do ponto de vista de fluxo internacional de capitais. Você tem uma livre entrada e saída e é claro que você precisa ter uma estratégia. Para melhorar o estado da economia brasileira é preciso uma mudança de paradigma, ou seja, uma unidade política e econômica fundamental para o governo Lula. Observe que a saída de capitais brasileiros para o exterior novamente é uma estratégia desses investidores diversificar geograficamente essas aplicações de capital para fugir do risco Brasil. Como a economia brasileira é muito instável, as grandes empresas colocam o seu capital no exterior, e isso aumentou muito nos últimos cinco anos.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008


Dossiê: A crise financeira mundial

Vale a pena ler esse dossiê sobre a crise financeira dos Estados Unidos, já agora uma crise mundial do sistema. Os artigos estão publicados aqui, no jornal eletrônico Esquerda de Portugal.

Tem um artigo, por exemplo, sobre os efeitos da crise imobiliária norte-americana na população negra, preferencialmente, que nos EUA está mais empobrecida que nos tempos de Martin Luther King (potencializando talvez a candidatura Obama).

E tem, também, um ótimo artigo de um economista francês que mostra didaticamente as raízes da crise. Partindo do seguinte dado: há vinte anos acontece um fenômeno mundial de aumento da taxa de mais-valia e conseqüentemente da queda das massas salariais no mundo todo, isso permite uma super-liquidez de moeda que busca frenética e insanamente remunerações extravagantes para si. Ao fim de algum tempo, a finança autonomiza-se, impondo a sua própria lógica, e esquecendo que o volume de valor disponível depende do grau de exploração (do trabalho vivo) e que este não pode, apesar dos esforços dos capitalistas, crescer de forma exponencial. As crises financeiras são, por conseguinte, manifestações cíclicas da velha e marxiana lei do valor.

Para imprimir, ler e guardar.


Loteamento do Incra

Ninguém desconhece que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) é uma das instituições mais degradadas do governo federal, mais degradada mesmo que a floresta amazônica. Vejam agora a nota que saiu hoje na coluna “Painel” da Folha:

O senador Valter Pereira (PMDB) foi alertado pelo ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário): a indicação de seu apadrinhado para dirigir o Incra de Mato Grosso do Sul causaria conflito com o MST. Ontem, os sem-terra já interditaram rodovias.

O Incra é um quisto pré-republicano alojado no intestino do Estado brasileiro. O lulismo já está no poder há cinco anos e nada ainda foi feito para mudar esse quadro, ao contrário, as velhas e novas oligarquias parasitárias fazem do órgão o seu lar.


A crise política do Fórum Social Mundial

Segundo Ignacio Ramonet, redator-chefe do jornal Le Monde Diplomatique em entrevista ao jornal alemão Freitag (25/1), o FSM deve abandonar a mera luta de resistência e partir para uma nova etapa de lutas. Ramonet afirma que é chegado o momento dos movimentos sociais colocarem na pauta a questão do poder.


Que futuro aguarda o Fórum Social Mundial?

Infelizmente, os movimentos sociais internacionais no momento tem sido incapazes de encontrar uma forma de articulação mais consistente que lhes permita agir unitariamente. Não está em condições de fixar objetivos que sigam uma mesma linha.

Isso impede os movimentos sociais de responder adequadamente à situação atual?


Exato. Atravessamos diferentes fases. A primeira consistiu em definir a globalização. Em meados dos anos 90 ainda não existia o movimento porque não se sabia contra quem lutar. Foi preciso que muitos intelectuais e muitas forças políticas definissem conjuntamente o inimigo e, o inimigo era a globalização. Na segunda fase se juntaram todos do Sul ao Norte na luta contra a globalização. Têm-se evidentemente a impressão de que essas êxitos – particularmente, a fundação do Fórum Social Mundial – acabou por paralisar o movimento. O movimento é hoje, potencialmente, forte, como nunca antes. É, em escala planetária, a única força em alguma medida organizada que resiste à globalização, mas ele não sabe o que fazer com essa força. Desperdiçaram-se oportunidades, ao menos eu vejo assim. Hoje estaríamos em condições de levar a cabo lutas em escala mundial. Lembre-se apenas das grandes manifestações contra a guerra no Iraque. Chegou a hora de que movimentos, como o Fórum Social Mundial, deixem de ser movimentos de resistência e entrarem em uma nova etapa com outras formas de luta.

Por que afirma isso com tanta ênfase?

A ofensiva ideológica da globalização prossegue. Constatamos que o movimento já não amedronta os dominadores. Apenas falam dele. Desde que a Attac entrou em crise na França, a imprensa francesa já não fala da Attac, tampouco fala do Fórum Social Mundial. Preocupa esse silêncio, porque demonstra que os outros tem ganhado a batalha e, desde logo, por causa da dispersão. Por isso, creio que as organizações principais que constituem o Fórum Social Mundial estão obrigadas a se colocaram a seguinte pergunta: O que será de nós? O que devemos fazer? Em torno de tudo isso, a questão do poder se torna importante. Todo o movimento se formou com a base na idéia que não se pode tomar o poder. Eu me pergunto se isso continua sendo verdadeiro. A experiência na América Latina mostra que com o poder nas mãos se pode fazer algo. Isso na Europa é mais difícil devido a camisa de força que se transformou a União Européia.

Leia a íntegra da entrevista na excelente revista eletrônica Sinpermiso, aqui. Em espanhol.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008


O fraco desempenho do PAC e a crise estrutural do capitalismo

A desaceleração do crescimento econômico brasileiro é a evidência relevante no momento em que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) completa um ano. Frente ao crescimento do PIB previsto de 5,2% em 2007, as projeções divulgadas pelo Banco Central apontam para a mediana de 4,5% em 2008 e 4,0% em 2009 ( Ver Tabela 1, cuja fonte é Focus, Banco Central, http://www.focus 18 jan 2008). Estas taxas são inferiores à taxa de 5,0% que consta no PAC. Desta forma, após um ano de PAC, no lugar da aceleração do crescimento, o que se observa é exatamente o oposto. Há, assim, a interrupção do miniciclo de otimismo que surgiu no segundo trimestre de 2007, quando houve aceleração do crescimento econômico. E, o Brasil continua “andando para trás” quando se considera o resto do mundo. A projeção do FMI de crescimento da economia mundial é de 4,8% em 2008, enquanto os países em desenvolvimento devem crescer 7,4% (Ver Tabela 2). Estas previsões supõem o macrocenário global de “aterrissagem suave” controlado pelas políticas fiscal e monetária dos Estados Unidos.

O primeiro aniversário do PAC envolve não somente a desaceleração do crescimento econômico e o atraso relativo do país, como também a piora nos principais indicadores macroeconômicos. Ainda segundo as previsões do Relatório Focus do Banco Central de 18 de janeiro de 2008 mostradas na Tabela 1, o superávit da balança comercial deve cair de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 30 bilhões em 2008 e US$ 26 bilhões em 2009, enquanto o superávit da conta corrente de US$ 5 bilhões em 2007 se transformará em déficit de US$ 5 bilhões em 2008 e déficit de US$ 11 bilhões em 2009. A pressão inflacionária de 2007 (IGP-M de 7,8% e IPCA de 4,5%) deve continuar em 2008, com taxas de inflação maiores do que as taxas de 2006.

A desaceleração do crescimento econômico e a continuação do atraso relativo tornam-se fatores ainda mais relevantes quando fica cada vez mais clara a reversão da fase ascendente do ciclo econômico internacional iniciado em 2003. A questão central é que as maiores incertezas críticas em relação ao futuro da economia brasileira resultam tanto da reversão do ciclo internacional como dos erros e equívocos das estratégias e políticas econômicas do Governo Lula. O desempenho medíocre do PAC no seu primeiro ano ilustra claramente alguns destes equívocos e erros. [...]

Leia a íntegra do artigo aqui.

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Artigo do professor Reinaldo Gonçalves, professor titular de Economia da UFRJ.


Anúncio imbecil – a volta

Anúncio imbecil e atrasado é concebido por publicitários imbecis e atrasados. Encomendado e aprovado por instituições imbecis e atrasadas. Na contramão da história. Na hora que o mundo todo revisa o caso do automóvel, que montou uma civilização plástica a seus desejos e vontades. Um fetiche-feitiço completo, que compromete cada vez mais a vida no planeta!

Pois, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) – o banco estatal guasca – para divulgar o seu consórcio de veículos automotores que consomem combustível fóssil, mandou criar essa peça publicitária aí.

Vai para o Museu do Febeapá (festival de besteiras que assolam o país, originalmente concebido pelo Stanislaw Ponte Preta).

Quem dirige o Banrisul é a cupinchada da governadora Yeda e o presidente é um tecnocrata-sacastrapo do provecto senador (pleonasmo) Pedro Simon, cujo nome nem sei ao certo... e também não interessa!

Enquanto isso, as prefeituras de Paris e de Londres estimulam o uso intensivo da bicicleta nos seus perímetros urbanos, seja gravando com pedágios caros a circulação de veículos em certas áreas (como em Paris), seja estreitando as ruas centrais para dificultar a circulação de automóveis e privilegiar o das bicicletas (como em Londres).

Certamente os londrinos e os parisienses são bem atrasadinhos, mesmo! Imaginem usar um veículo anacrônico como a bicicleta, em pleno século 21!

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O post acima foi publicado aqui no DG no dia 9 de outubro passado. Quatro meses depois o apelo publicitário, sob a forma de banner, continua exposto em agência do Banrisul (a foto acima é de dias atrás), apesar de a direção do banco ter distribuído nota pública, ainda em outubro, retratando-se do fato de fazer publicidade sob valores tão atrasados, ou seja, exaltar o uso do automóvel em detrimento da saudável bicicleta.

Mais no blog bicicletada poa


Quais são mesmo os valores da propaganda?

Ética e propaganda

Na ordem econômica atual, que tem garantido vitalidade à lógica da acumulação capitalista, a função da propaganda é criar continuamente novos objetos de desejo. Sendo assim, faz sentido cobrar ética da propaganda?

Vamos examinar exemplos concretos. O mais recente confronto entre privacidade e propaganda envolve alguns provedores de internet, agora incluindo serviço telefônico gratuito, que exigem o direito de invadir em tempo real todo o conteúdo da comunicação com anúncios de produtos e serviços que têm a ver com o assunto da interlocução. Ou seja, joga-se no lixo o sigilo da comunicação em troca de propaganda.
Eis a justificativa de uma das empresas líderes do ramo: "Nós percebemos que, enquanto falam ao telefone, as pessoas fazem alguma coisa a mais. Decidimos usar isso".

E arremata: "Trocar mais personalização com menos privacidade é um conceito aceito no mundo atual". Quanto à violação do sigilo, diz: "Não estamos fazendo nada mais que aquilo que grandes provedores fazem com e-mails".
Um executivo de uma das maiores agências de propaganda do mundo diz: "Reconheço que estamos ficando mais intrusivos a cada avanço tecnológico. Mas adoraria poder pôr minhas mãos nos dados de conversas".
O sistema está pronto para ser implantado em telefones celulares. Outro exemplo é a recente propaganda de lançamento de veículo relacionando acessórios sofisticados que o acompanham. O último da lista: "Loira siliconada no banco de passageiro". E a provocação: "Não quer mais nada não, né?".

Outra montadora, em amplas páginas coloridas de revistas e jornais de grande circulação, mostra uma mansão protegida por bela vegetação. Nas páginas duplas seguintes, ela foi destruída por uma tesoura de jardineiro e o buraco exibe o novo modelo de um utilitário de luxo com a legenda: "Você vai fazer tudo para exibir o seu!". Valores? Loira siliconada e destruição da natureza.

Mais outro. Grande banco exibe enorme anúncio em que aparece uma linda menininha de dois anos. Ela acaba de rabiscar uma nobre parede de madeira com desenhos infantis e a logomarca da empresa. Mensagem: "Você sabe do que vai precisar amanhã? Fique tranqüilo. Nosso banco já está pensando nisso hoje". Valores? Um clientezinho seduzido.

Finalmente, uma das líderes globais em produtos de superluxo publica, em páginas inteiras nas principais revistas e jornais do mundo, enorme propaganda com Mikhail Gorbatchov, o controvertido líder que apressou a queda do império soviético, sentado no banco de trás de uma limusine, que tem ao fundo o muro de Berlim. Ao lado de Gorbatchov, uma elegantíssima sacola de viagem da grife. A imagem é feita pela famosa Annie Leibovitz.

Entrevistado, um dos donos da marca, que pediu fotos semelhantes com Catherine Deneuve e outros famosos, explica: "Foi uma escolha natural. Queríamos uma personalidade que viveu uma vida plena e mudou as coisas no mundo". "Ficamos espantados quando Gorbartchov aceitou fazê-la com tanta satisfação", arrematou. E concluiu, candidamente: "Todos aspiramos a algo melhor. Alguns podem se oferecer isso já; outros, não podendo obtê-lo agora, vão sonhar com isso e conseguir realizar seu desejo mais cedo ou mais tarde".

Desnecessário dizer mais qualquer coisa sobre a propaganda como construção de objetos de desejo. Essa mesma grife havia colocado, meses antes, imenso outdoor com foto de sua mala de viagem cobrindo toda uma fachada em Xangai. Um fotógrafo clicou-a enquanto um chinês muito pobre passava carregando nos ombros, qual canga de boi, duas pesadas latas d'água.
Estamos destruindo um esquema de valores que, bem ou mal, punha algum limite entre o interesse público e a ganância privada. Para onde caminhamos? Uma pista é um novo lançamento residencial no distrito financeiro de Manhattan. As paredes do edifício, todas de vidro, permitem que seus moradores se vejam na intimidade e sejam vistos, eventualmente sem restrição, por pessoas da rua; inclusive no banheiro, um cubo de vidro.

A propaganda, na voz do arquiteto: "Estamos criando palcos para as pessoas de certa maneira atuarem". Para Sherry Turkle, do MIT, quando levantamos os olhos das telas de plasma dos computadores, só encontramos solidão.

Trata-se, no caso, de um desejo desesperado de intimidade que a propaganda manipula, confundindo exibicionismo com aproximação. Enfim, ética supõe valores. Quais são os valores da propaganda?

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Artigo de Gilberto Dupas, coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI). Publicado hoje na Folha.


RBS: música, hipocrisia e cerveja – parte dois

Rejane, leitora deste blog e brava cidadã, encaminhou formalmente à Ouvidoria do Ministério Público do Rio Grande do Sul o conteúdo do post publicado aqui segunda-feira passada (21), cujo título é “RBS: música, hipocrisia e cerveja”.

Eis a resposta dos Procuradores de Justiça à Rejane.

Dossiê n.º 165/2008 - Reclamação

Prezada Senhora:

Em atenção à manifestação recebida na Ouvidoria do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Dossiê n.º 165/2008, em 22/01/2008, informamos o encaminhamento dos fatos, para conhecimento e providências cabíveis, aos seguintes Órgãos:

1) Promotoria de Justiça de Capão da Canoa (Ofício n.º 211/2008-OMP), localizada na Rua João Cristiano Scheffer, n.º 546, Bairro Zona Nova, Capão da Canoa/RS, CEP: 95.550-000, telefone (51) 3225-2502, e-mail
mpcapao@mp.rs.gov.br, à;

2) Ouvidoria do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (Ofício n.º 221/2008-OMP), localizada na Praça Marechal Deodoro, s/n.º, Bairro Centro, Porto Alegre/RS, CEP: 90.010-282, e ao;

3) Diretor-Presidente do Grupo RBS (Ofício n.º 186/2008-OMP), com gabinete localizado na Av. Érico Veríssimo n.º 400, Bairro Menino Deus, Porto Alegre/RS, CEP: 90.160-180.

Na oportunidade, reafirmamos a Vossa Senhoria nossa consideração.

Maria Regina Fay de Azambuja,
Procuradora de Justiça,
Ouvidora do Ministério Público.

Eduardo Wetzel Barbosa,
Procurador de Justiça,

Ouvidor Substituto.


Como se observa, não há qualquer instrução acompanhando a comunicação do fato. Os Procuradores de Justiça, na função de ouvidores, se limitam apenas a dar a notícia do fato à Promotoria de Capão da Canoa (local do evento Planeta Atlântida), à Ouvidoria do Governo Estadual, e ao Diretor-Presidente do grupo RBS.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


RBS: música, hipocrisia e cerveja

O grupo RBS faz uma campanha midiática contra a violência no trânsito. Já denunciamos aqui neste blog o quanto essa campanha é hipócrita e falsa, já que não aponta as verdadeiras causas mediatas e imediatas do fenômeno, a saber: o automóvel e as drogas legais e ilegais. Ora, o automóvel e o álcool são objetos de cobiça do grupo RBS, uma vez que as montadoras de veículos e a indústria cervejeira são dois dos principais anunciantes do maior grupo midiático guasca.

Senão vejamos: o anúncio acima informa com muita clareza que a cerveja Nova Schin (de sofrível qualidade) é a “cerveja oficial” do evento musical anual promovido pela RBS no litoral Norte do Rio Grande do Sul, conhecido como Planeta Atlântida. Sabe-se que o mega evento, que dura 48 horas seguidas, é freqüentado em absoluta maioria por pré-adolescentes e adolescentes, filhos da classe média guasca.

Como uma cerveja pode ser a bebida “oficial” de um happening praiano que reúne pouco mais que crianças? O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul tem que procurar saber da RBS qual o significado da expressão “oficial”. “Oficial”, até onde se sabe, é algo “emanado do governo ou de uma autoridade administrativa reconhecida”.

Os meninos e meninas reunidos no festival deverão consumir somente a “cerveja oficial” indicada pela organização do espetáculo, a RBS Eventos? Haverá constrangimentos neste sentido? Como será a mecânica dos acontecimentos, já que de antemão está implícito no anúncio de haver uma bebida alcoólica que é apresentada como “oficial”, mesmo sabendo-se que o público-alvo é formado majoritariamente por indivíduos que acabam de sair da idade infantil?

A Brigada Militar, orientada pela governadora Yedinha e o secretário de Segurança, Francisco Mallmann, estará nas imediações do evento de Atlântida fazendo cumprir as determinações do Código Nacional de Trânsito, que proíbe o consumo de bebida alcoólica pelos condutores de veículos?

Com a palavra, pois, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.


Eugênio Neves
MST ocupa fazenda do tráfico em Guaíba

O Movimento Sem-Terra ocupou no início da manhã de hoje, por volta das 5h30, a Fazenda Finca, no município de Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre. A área pertencia ao traficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadia (foto), preso pela Polícia Federal, e irá a leilão pelo Ministério da Justiça nesta segunda-feira (21/01).

Participam da ocupação 300 famílias. Os agricultores sem-terra querem que a área seja desapropriada para reforma agrária e utilizada no cumprimento da meta de assentamento de mil famílias até abril, assumida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A meta foi estabelecida ao final da marcha dos trabalhadores sem-terra em direção à Fazenda Guerra, em novembro último. Desde o acordo até hoje, nenhuma família foi assentada.

A ação também denúncia que o agronegócio tem sido uma das principais formas de lavagem de dinheiro do crime organizado, como já havia denunciado o juiz federal Odilon de Oliveira, da vara especializada em lavagem de dinheiro. A Fazenda Finca está estimada em R$ 1,7 milhões de reais. Caso semelhante foi o da Cabanha Dragão, utilizada para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de armas e que, depois da ocupação pelo MST, foi transformada em pré-assentamento.

domingo, 20 de janeiro de 2008


E como diria o quiromaníaco ilustrado, citando uma velha frase do surrealista André Breton:

“Não será o temor da loucura que nos forçará a hastear a meio pau a bandeira da imaginação”.


Fotografia de Robert Doisneau

sábado, 19 de janeiro de 2008


A Batalha de Argel – o filme (assista na íntegra aqui)

A luta do povo argelino por sua libertação do jugo do colonialismo francês, apresentada no filme do diretor Gillo Pontecorvo (foto), tem como fio condutor a história de integrantes da Frente de Libertação Nacional (FLN), Ali-la-Pointe e seus companheiros que resistem na Casbah, o maior bairro popular da capital Argel. O filme apresenta um período desta luta, marco histórico no processo de libertação de colônias européias na África. A ação se passa entre 1954 e 1957 e o grande diretor Pontecorvo, que mistura ficção e fatos reais, trata com veracidade a resistência argelina e a violência do exército francês, obtendo como resultado um “quase” documentário, intenso, emocionante, que mantém o espectador em suspense do início ao final do filme.

O coronel Mathieu (inspirado no coronel francês Jacques Massu – o carrasco de Argel, torturador contumaz e que anos depois tentou assassinar o presidente De Gaulle) utiliza e defende abertamente a tortura para desbaratar a resistência argelina e manter o país sob domínio dos franceses. A tese - o uso da tortura e da humilhação como principal forma de combate - foi defendida publicamente em 1961, pelo coronel francês Roger Trinquier em seu livro "La guerre moderne", que serviu de referência para a “assessoria” de militares americanos em golpes de Estado em países da América Latina. Há dois anos, segundo noticiou o jornal The New York Times, o filme foi exibido no Pentágono a militares norte-americanos inconformados com a obstinada resistência do povo iraquiano.

Em 1954, humilhados pela derrota na batalha de Diên Biên Phu imposta pelos vietnamitas, militares franceses radicalizam a violência contra os argelinos com o intento de manter seu domínio de mais de cem anos sobre o país, iniciado em 1830. A França ganharia uma batalha, mas perderia a guerra.

O filme, um clássico, traz ao final uma das mais belas e emocionantes cenas do cinema.

A Batalha de Argel ganhou o Leão de Ouro e o prêmio Fipresci (da Federação Internacional dos Críticos), no Festival de Veneza em 1966. O filme de Pontecorvo foi banido na França até 1971, e o primeiro cinema que o exibiu sofreu um atentado a bomba. Também ficou proibido no Brasil no período de ditadura militar.

A trilha musical é de Ennio Morricone. O filme na íntegra (aqui) tem 117 minutos. Versão em espanhol.


Diálogo tucano

Esta fotografia é a síntese do governo tucano de Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. O atirador de elite da Brigada Militar do Estado está com o gatilho da arma puxado, pronto para disparar o tiro. O alvo são agricultores sem-terra que estavam reunidos pacificamente numa área federal para discutir os rumos do movimento social que representam. Nenhum agricultor estava armado.

Retrata fielmente o grau de tolerância que ela tem para com a questão social, revelando um espírito perturbado, truculento e primitivo.

Fotografia de Leonardo Melgarejo.


Salvador Allende

Se Allende (foto) estivesse vivo, completaria em junho próximo 100 anos de vida. Veja aqui um belíssimo vídeo de dez minutos sobre parte da trajetória política deste grande líder da esquerda latino-americana.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008


Angeli

Cresce desmatamento da Amazônia

Um novo alerta sobre desmatamento na Amazônia será divulgado hoje pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com base em imagens captadas por satélites no último trimestre do ano passado e que indicam a derrubada de matas em ritmo acelerado, numa média de mais de 1.000 quilômetros quadrados por mês.

"Estamos preocupados", disse Gilberto Câmara, diretor do instituto, que ontem conferia os números do resultado da ação dos desmatadores. A informação está na Folha de hoje.

O governo estima que o desmatamento na Amazônia Legal não apenas parou de cair, como pode aumentar 10% no próximo levantamento consolidado, a ser divulgado no final do ano. Entre julho de 2006 e julho de 2007 foram derrubados 11,2 mil quilômetros quadrados de floresta, o equivalente a mais de sete vezes a cidade de São Paulo.

O diretor do Inpe avalia que o futuro da Amazônia vai depender do controle da expansão da pecuária no Pará, Estado que registrou o maior crescimento do rebanho no país. "A gente sente nitidamente a falta de engajamento, um ‘corpo mole’ do Ministério da Agricultura", criticou Câmara, sobre as dificuldades de rastreamento da origem do gado criado na região. As culturas de soja e cana-de-açúcar teriam papel importante, porém indireto no desmatamento, ao ocuparem áreas de pasto e empurrarem a pecuária para a Amazônia, disse o diretor do Inpe.











Dona Yeda parte para a ignorância

Policiais militares invadiram ontem um assentamento do Movimento Sem-Terra em Sarandi (RS). A invasão ocorreu depois de a Brigada Militar descumprir um acordo com a Polícia Civil, Ouvidoria da Segurança Pública do Estado e a Justiça da comarca de Carazinho. A informação é da Agência Chasque.

A ação da Brigada contou com o respaldo do secretário de Segurança Pública José Francisco Mallmann e da governadora, Yeda Crusius. Os soldados cumpriam um mandado judicial de busca e apreensão, referente a denúncias de objetos que teriam sumido da Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, depois da ocupação simbólica na segunda-feira passada. De acordo com o subcomandante da Brigada, coronel Paulo Mendes, os sem-terra queriam impor restrições à entrada dos policiais na área, o que não daria segurança (!) suficiente aos soldados.

Já a integrante do MST, Neiva Santos, classifica o ato como um abuso de autoridade, pois os sem-terra estão participando de um evento pacífico, que é o seu 24º Encontro Estadual. Além disso, ela condena o fato de ter sido mobilizado um efetivo tão grande, que poderia ter resultado em um massacre. Cerca de mil policias militares (foto) foram deslocados até a área.

......

Hannah Arendt, que não pode ser acusada de nenhuma marxista leviana, disse certa vez que nós vivemos numa sociedade fundada sobre o trabalho, mas que deixou de poder oferecer aos seus membros aquilo pelo qual ela se estruturou e por onde organizou o seu discurso. A violência da polícia militar da governadora Yeda, mesmo que não tenha ferido fisicamente alguém, manifestou-se de forma simbólica ontem. Mil policiais militares representando o Estado, e sob a alegação ideologicamente usinada por um agente do Judiciário de procurar objetos furtados, constrangeram cidadãos e cidadãs que lutam para buscar na terra a sua expressão no trabalho.

O que se viu ontem foi a violência instrumental pura. Os agentes políticos do Estado – governadora e secretário de Segurança – de forma combinada abandonam deliberadamente a busca do consenso e convergem para um estado de violência no sentido de criminalizar um movimento social com a intenção espetacularizada de rebaixá-lo frente à chamada opinião pública. Isso é violência pura como controle da produção social. O poder deixa de se exercer de maneira consensual entre partes que antes podiam ser divergentes entre si, e “a violência impõe-se de modo a calar os opositores e a destruir a pluralidade dos participantes” – como diria Arendt.

Com essa performance edificante de ontem, dona Yeda apenas ratifica o que se aprendeu dela nesses últimos doze meses: como não tem preparo para impor-se pelo consenso, pelo diálogo político continuado, acaba querendo se impor pela coerção, força e ignorância embrutecedora.

Dona Yeda é um perigo.


As duas fotos de baixo são de Tadeu Vilani/Agência RBS, somente essas. As demais fotografias são de Leonardo Melgarejo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A sede municipal do PT de Porto Alegre fica na avenida João Pessoa, 785 - defronte ao Parque da Redenção.

Sarney é power

Deu na coluna da jornalista Sonia Racy, no Estadão, de hoje.

José Sarney emplacou a nomeação de Édison Lobão como ministro de Minas e Energia. Vamos lembrar o poder da família Sarney, no Maranhão.
Para nascer, a Maternidade Marly Sarney.

Para morar, escolha a vila Sarney. Ou então a Sarney Filho ou a Kiola Sarney;

Para estudar, as escolas Sarney Neto, Roseana Sarney, Fernando Sarney, Marly Sarney ou José Sarney.

Para pesquisar, vá até a Biblioteca José Sarney;

Para se informar, leia O Estado do Maranhão, veja a TV Mirante ou ouça a Mirante AM ou FM, todos da família;

Para saber sobre as contas públicas, vá ao Tribunal de Contas Roseana Sarney.

Não gostou de nada disso e quer reclamar? Vá ao Fórum José Sarney...


Diante de democratas como os Clinton e seus prepostos, quem precisa de inimigos republicanos?

Jogos sujos

Charles Dickens compreendia o fenômeno: pessoas que supõem estar fazendo o bem e não conseguem perceber as verdadeiras conseqüências de suas ações. Mrs. Jellyby, em "Bleak House", era uma dessas senhoras, tão preocupada com atividades caritativas exageradas que negligenciava sua numerosa família. É, portanto, triste, mas não surpreendente, que o rosto feio do racismo tenha surgido na campanha presidencial dos Estados Unidos, e por obra dos Clinton.

Tudo começou na primária de New Hampshire. Bill Clinton alegou que o senador Barack Obama [na foto, com Hillary Clinton em segundo plano] estava perpetuando "um conto de fadas". A alusão era suficientemente ambígua, bem à maneira de Clinton ("tudo depende do que o verbo 'é' queira dizer", como ele afirmou em momento que se tornou famoso durante o caso Monica Lewinsky), calculada de forma a lhe deixar alguma margem para recuo posteriormente. Clinton explicou que ele não estava se referindo às aspirações de mudança que Obama representa de maneira tão clara para muitos eleitores democratas, e sim à alegação de Obama de que sempre havia mantido a consistência em sua oposição à Guerra do Iraque.

Depois foi a vez de Hillary Clinton, que uma vez mais fez afirmações que deixavam margem para um posterior recuo e negativa do significado implícito de suas palavras. "Esperança" não basta, ela disse. Martin Luther King precisou de um presidente, Lyndon Johnson, para tornar seu "sonho" realidade, com a lei que garantiu os direitos eleitorais dos negros norte-americanos, em 1965.

As coisas se tornaram ainda mais desagradáveis dali por diante.

Robert L. Johnson, ao apresentar a senadora Clinton a uma audiência negra no Estado da Carolina do Sul, cenário de uma primária crucial, na qual o eleitorado democrata é formado majoritariamente por negros e onde Obama disparou diante de Clinton nas pesquisas, deu a entender que Obama, filho de mãe branca e pai africano, não era negro o suficiente. Johnson, velho aliado dos Clinton, é o bilionário fundador da Black Entertainment Television, muitas vezes classificada como a "rede da exploração negra" e severamente criticada por suas novelas violentas e pela misantropia de sua cultura rap. Johnson insinuou que, na prática, enquanto Clinton estava lutando pelo bem dos negros, Obama estava experimentando drogas no South Side de Chicago. Ao ser confrontado com essas declarações, ele respondeu que "nós sempre dissemos que era necessário um candidato negro perfeito, de oratória impecável e formado em Harvard, para provar que transcendemos a questão racial". Os comentários, é desnecessário acrescentar, não tinham objetivos elogiosos.

Diante de democratas como os Clinton e seus prepostos, quem precisa de inimigos republicanos?
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Artigo do historiador Kenneth Maxwell, publicado hoje na Folha.

Assembléia guasca é uma farra

Tudo conversa fiada essa do presidente da Assembléia Legislativa do RS, que ontem anunciou medidas "rigorosas" de controle dos gastos "da Casa" (como eles chamam o legislativo).

Usando um palavreado untuoso subtraído daqueles picaretosos manuais norte-americanos de reengenharia administrativo-financeira, muleta retórica para enganar pessoas e influenciar tolinhos, Sua Excelência fulano de tal (desculpem, mas esqueci o nome do personagem) com ar grave e voz empostada anunciou medidas definitivas de controle do gasto público no poder que dirige. Ao seu lado estava o impagável deputado Alceu Moreira (PMDB), afilhado político do "douto jurista" e deputado federal E. Padilha (PMDB), e futuro presidente da AL.

Desculpem mais uma vez, mas é impossível conter o riso, o deputado Alceu será o futuro presidente da Assembléia - por um ano - a partir de fevereiro próximo.

Eu só vou acreditar nesses dois risíveis senhores deputados, se, e somente se, o legislativo estadual contiver o gasto público na ordem de 1% do orçamento estadual, como o foi no ano de 1990. Hoje, todos sabemos, o custo dos mesmíssimos 55 deputados para os cofres guascas não ficam por menos de 5% do orçamento estadual. Um absurdo! Uma fábula de dinheiro!

Se o hilário e tosco deputado Alceu consumir somente 1% do orçamento do Estado neste ano de 2008, terá a reverência eterna deste blog de província. Caso contrário, continuarei pensando (eu e a torcida do Grêmio) que - de fato - a Assembléia é uma debochada farra.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008


As mortes misteriosas - seriam assassinatos em série? - de JK, Jango e Lacerda, que morreram entre agosto de 1976 e maio de 1977. E a morte semana passada do ex-espião da CIA, Phillip Agee.

A história à espera

As três décadas passadas desde as mortes de João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda mais alimentaram, com a seqüência de esquivas a investigações conclusivas, do que atenuaram as suspeitas de triplo assassinato sobre as quais, enfim, há um ponto de partida substanciosa. Já está entregue à Procuradoria Geral da República. E a recusa a aceitá-lo, para abrir investigação sobre as circunstâncias da morte de João Goulart, dificilmente seria compreensível. A oportunidade, aliás, coincide com o momento em que, na Itália e nos Estados Unidos, o Brasil é acusado de obstruir a apuração dos fatos de sua ditadura e de ser o último país dos "anos de chumbo" a fazê-lo ainda. Acusações que valem por uma sentença.

A longa e até agora inútil batalha da família Goulart pela exumação do ex-presidente, morto no exílio em 1976 e enterrado no Rio Grande do Sul, teve o seu fundamento agora comprovado pela inesperada confissão de um ex-agente uruguaio, em depoimento para um documentário de João Vicente Goulart. Mario Neira Barreiro, que já dera indicações factuais de sua espionagem à família Goulart, como agente, aos 22 anos, do serviço secreto do Uruguai, deu agora pormenores da inclusão de uma pílula venenosa entre os remédios que, por provável precaução, Jango fazia virem da França para sua cardiopatia. O veneno foi posto por outro agente, infiltrado como empregado no hotel habitado pelos Goulart em Buenos Aires.

João Vicente, como narrou a Carter Anderson, do "Globo", no pedido de inquérito feito à Procuradoria Geral da República, incluiu útil e, indicam incontáveis ocorrências pregressas, urgente pedido de proteção a Neira Barreiro, hoje em presídio de segurança máxima, próximo de Porto Alegre, por formação de quadrilha, roubo e uso ilegal de armas.

A batalha da família Goulart tem ainda, a justificá-la, uma equivalente no Chile. No ano passado, exames na Universidade de Gent, na Bélgica, comprovaram que a morte do ex-presidente chileno Eduardo Frei, como sua família sempre suspeitara, decorreu de envenenamento por gás mostarda. Arma terrível na Primeira Grande Guerra, sua nova fabricação foi atribuída à Dina, agência de ações secretas e comprovados assassinatos da ditadura Pinochet.

Frei, presidente de 1964 a 70, foi o impulsionador da relevância reformista que a Democracia Cristã teve na América Latina, inclusive no Brasil. Do golpe americano-chileno até sua morte inesperada, quando internado para um tratamento considerado sem risco, foi forte opositor da ditadura de Pinochet. Desde sua morte até que, em 2007, exames pudessem confirmar o envenenamento, a batalha de seus familiares e correligionários consumiu 24 anos. Um quarto de século para ver-se comprovado um crime. A morte de Jango já tem quase 32 anos, um terço de século.

Carlos Lacerda morreu em situação muito semelhante a Eduardo Frei. Internara-se por um adoecimento súbito, do qual morreu em breve tempo, sem período de melhora apesar dos esforços e sem causas divulgadas. Sua família adotou, a respeito, o silêncio absoluto mantido até hoje. A família de Juscelino assumiu atitude idêntica, em relação ao acidente mortal na Rio-São Paulo. As três mortes se deram quando ainda perdurava a ebulição política, e a respectiva reação dos militares, provocada pela Frente Unida que a iniciativa de Lacerda formara com Juscelino e Jango contra a ditadura.

Na segunda-feira passada, morreu em Cuba, onde dividia sua vida com a Alemanha, uma brava pessoa que foi agente da CIA entre os seus 21 e 33 anos. Teve papel primordial na revelação das ações da CIA sobretudo na América Latina, onde Phillip Agee operou, entre outras coisas, na espionagem incessante a exilados brasileiros ligados a Brizola e a Jango. Por seu livro, "Inside the Company", e pelas revelações que continuou fazendo, Agee foi considerado pelo governo americano "perigo para a segurança nacional", e passou anos sumido para sobreviver.

A história dos nossos anos ainda está só na superfície.

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Artigo do jornalista Janio de Freitas, publicado ontem na Folha. Na foto, JK e Jango.

Floresta amazônica dá lugar à pecuária de exportação

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admitiu ontem que há derrubada de floresta amazônica para uso como pasto, reconheceu que o governo trata do tema somente "em tese", disse que está preocupado e torceu para que o rebanho que come a floresta não se destine ao aumento das exportações brasileiras. "Já tinha enviado uma equipe de técnicos do ministério para a região, tenho mais de 250 fotos que não vou divulgar". A informação está na Folha, de hoje.

O ministro Stephanes reconheceu alguns detalhes do problema: terra barata e crédito de bancos estatais estimulam o avanço cada vez maior da pecuária extensiva. Hoje a Amazônia Legal responde por 36% do rebanho nacional e um terço das exportações, segundo relatório compilado pela ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.

Virtualmente todo o crescimento do rebanho nacional entre 2003 e 2006 aconteceu naquela região, mas o governo Lula trata o problema apenas "em tese", como confessa o ministro da Agricultura.


Morde & Assopra Futebol Clube

O senhor José Dirceu, que continua carregando um rato morto na pasta, está procurando de lanterna e lupa um interlocutor para aproximá-lo da ministra Rousseff. Quer conversar.

JD toma certa cautela porque não sabe como poderá ser recebido, depois do destempero demonstrado à revista Piauí, edição de janeiro.

O problema de JD é tanto mais difícil quando se sabe que a ministra não tem entourage (aliás, uma das suas maiores lacunas), e o neoconsultor - se insistir no propósito - terá que ligar diretamente para a sua sucessora na chefia da Casa Civil.

[A propósito deste personagem e suas peripécias no mundo político-negocial, leia abaixo o post "A política do rato morto", publicado em 7 de janeiro último, neste blog DG.]

Angeli

Para Conceição, a política de juros de Lula é "imbecil"

A economista Maria da Conceição Tavares, militante do PT, classificou como "imbecil" a política de juros do governo Lula.

Em entrevista à revista "Desafios do Desenvolvimento", do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao governo federal, a economista afirma que o modelo de desenvolvimento do país não está completo. Segundo ela, o Brasil não pode ter como meta ser só um exportador de matérias-primas. Conceição é membro do novo Conselho de Orientação do Ipea, cujo presidente é Marcio Pochmann.

A economista afirma ainda que a exportação de produtos manufaturados hoje está relacionada à existência de contratos de longo prazo, que podem não ser renovados caso o câmbio permaneça no nível atual. A informação está na Folha de hoje.

Conceição (foto) responsabiliza os juros altos por esse cenário e diz que representantes do governo, como Lula, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estão cientes dos efeitos provocados pelos juros. Em dezembro, o Banco Central decidiu manter pela segunda vez seguida a taxa básica de juros em 11,25% ao ano. O BC justificou a decisão afirmando que o ritmo de crescimento da economia poderia pressionar a inflação.

Para Conceição, no entanto, os fatores que levaram o banco a manter os juros no patamar atual foram o fato de não saber como o Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) se comportaria e não conhecer ainda a dimensão exata da crise do crédito imobiliário de risco. Ela refuta a hipótese de que a preocupação com a meta de inflação tenha sido o fator responsável pela manutenção da Selic.

Segundo a economista petista, justamente em razão da situação no mercado externo o país precisa reduzir os juros para não ser pego de surpresa e evitar os efeitos de eventual variação mais forte de moeda no mundo. Dessa forma, seria possível, de acordo com Conceição, fazer com que o câmbio pare de se valorizar gradativamente.

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